Curió UNIVERSO

 

 
 
Por Carlos Rydlewski
 
Chegou a vez do Universo. Embora jovem e um tanto imaturo, ele não demonstra medo ou timidez. Ao contrário. Estufa o peito e preenche o ar com uma voz cristalina e melodiosa. À medida que a apresentação avança, aumenta o silêncio em torno do palco. A plateia aguça os sentidos e experimenta um transe momentâneo. Ela identifica na execução do canto um tipo raro de esmero, também chamado de talento. Ao final da última nota, segue-se o estrondo. O público irrompe em aplausos e alguns urros (houve até lágrimas). Ninguém duvida. Surgiu o campeão.
 
Universo é um Pavarotti de penas. Um passarinho cujos dotes musicais superam as qualidades artísticas observadas em seus pares. Cientificamente, pertence ao grupo dos Oryzoborus angolensis, conhecidos como curiós (ou avinhados, em algumas regiões do Brasil). Trata-se de uma ave típica da América do Sul. A espécie, com aparência frágil e pouco mais de 10 centímetros de comprimento, canta. Não só o que a genética manda. Ela aprende a cantar melodias complexas.
 
Os curiós reproduzem uma sequência com 28 notas. Elas são divididas em uma introdução (12 notas) e um módulo de repetição (as 16 restantes). As frases desse trecho final podem ser reproduzidas dezenas e dezenas de vezes. O limite está no fôlego ou na disposição do artista. O mais surpreendente: a partitura que os pássaros executam não é obra da natureza. Ela foi criada pelo homem. Os bichinhos a interpretam. E essa habilidade de executar uma música, idealizada por um ser estranho ao ninho, enlouquece multidões.
 
Centenas de concursos de curiós cantores ocorrem em todo o país entre os meses de agosto e dezembro. Nesse período, uma primavera estendida, dá-se o auge da temporada lírica dos pássaros. É a época do acasalamento, quando dispara o nível de testosterona (o hormônio sexual) nos machos. Eles soltam o gogó para seduzir as fêmeas e demarcar território perante os rivais. Universo foi o vencedor de um torneio desse tipo, em setembro, na cidade de Bauru, no interior paulista.
 
 
 
A vitória do Universo oferece um flagrante da emoção de criar um grande astro. Pouco mais que um filhote, ele enfrentou 45 concorrentes. No grupo havia competidores famosos como Chão de Estrelas, Eclipse, Cobiçado e o astuto Professor – um bicampeão nacional, que consegue longas séries de repetições. Antes do anúncio oficial do resultado do concurso, o dono do Universo, o empresário Francisco Copi Júnior, de Mogi Guaçu (SP), andava de um lado para o outro. Reclamava de dores no peito. Seus amigos tentavam acalmá-lo, em meio a recomendações de exercícios mais frequentes ou mesmo uma bateria de testes cardíacos.
 
O restante da família experimentava angústia similar. Eide, a mulher de Francisco, chorou no fim da apresentação do Universo. Acreditava no sucesso do bichinho, mas, por prudência, continha o otimismo. “A gente nunca sabe como funciona a cabeça dos juízes”, dizia. Sim, os torneios de curiós são avaliados por até três juízes oficiais, escalados pelas federações regionais. O filho mais novo do casal, João Vitor, de 11 anos, era o mais confiante da estirpe. Chegou a identificar certa rouquidão na voz de um dos adversários. “O troféu é nosso”, afirmava.
 
E era. Júlio César de Araújo, um dos três juízes da peleja, definiu como “incontestável” a vitória do pássaro. Os árbitros lhe deram nota 9,3, ante 8,5 para o Professor, o segundo colocado. “O Universo não repetiu muito, mas cantou com bom andamento, ótima melodia e notas alongadas”, disse Araújo. Para chegar a essa conclusão, ele se preparou por dez anos para ser juiz em torneios. Tudo nas horas vagas, pois trabalha no ramo de energia elétrica. “É o meu hobby”, afirma.
 
Como toda disputa acirrada, o torneio não poderia terminar sem uma ponta de polêmica. Os donos do Professor, os gêmeos Reinaldo e Renato Souza, argumentavam que a ave executara um número maior de cantadas (repetições). Queriam o primeiro lugar. Para participar do concurso, eles rodaram 8 mil quilômetros de carro desde Itajaí, em Santa Catarina, onde moram, até Bauru. Em uma temporada com 20 etapas, percorrem 30 mil quilômetros (quase uma volta completa em torno da Terra). “Não tiro o mérito do Universo”, disse Renato. “Mas o Professor se apresentou melhor.”
 
E é assim todo fim de semana.
 
 
 
 
fonte:https://epocanegocios.globo.com